quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Artigos - 23 Setembro 2009

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O CAPUZEIRO


Era uma vez um fabricante de capuzes que gostava de por capuz nos outros e rir de rolar no chão, até que um dia ganhou o seu. Alguém lhe pôs um capuz que lhe servia maravilhosamente. Não gostou. Apressou-se a tirar o capuz que todos acharam que lhe caia muito bem.

Sua irmã que era uma das suas maiores vítimas olhou com serenidade e disse: - “Conhecendo-o, eu sei que vai continuar pondo capuzes nos outros, mas pelo menos sentiu o desgosto de ter que vestir o que acha que não é seu”.

Dito e feito. Ele continuou a atribuir tudo de bom a si e tudo de grotesco, errado e mau aos outros. É que o capuzeiro sente atração irresistível em cuidar das cabeças alheias. A dele é tão pequena que nada que serve na dos outros serve na dele!


CRISTÃO CATÓLICO ROMANO


É minha escolha e é minha vontade. Sou cristão e católico romano. Tento seguir Jesus e sua doutrina dentro da proposta de uma igreja multicentenária. Faço parte de um dos cerca de um bilhão e duzentos milhões de fiéis cristãos católicos apostólicos romanos, e participo de um movimento espiritual de mais de dois bilhões de seguidores e admiradores de Jesus de Nazaré a quem consideramos o Ungido, o Cristo, o Filho. Sei que há mais de um bilhão de muçulmanos e sei de mais de um bilhão de budistas e xintoístas. Finalmente, sei dos que professam outra fé.

Tenho consciência de que não tenho todas as respostas para os problemas do mundo, mas julgo encontrar boa parte delas em Jesus Cristo, pelo menos as básicas. Não comungo dos cristãos, ente eles, alguns católicos que acham que o mosquito da dengue é guiado pelo demônio, nem acho que é o diabo que joga sobre nós a depressão ou o câncer. Não simplifico dessa forma o mal e o bem. Admito tranqüilamente que a Bíblia não tem todas as respostas. Nem Jesus veio trazer todas elas. Teremos que penosamente descobrir muitas delas. Mas Jesus aponta para perguntas e respostas serenas, corajosas e certas. Ele não veio ao mundo repartir heranças (Lc 12,13-14), nem pessoalmente por pão em todas as mesas fazendo cair maná do céu. Também não veio dar apartamento para os bons crentes e uma loja para quem aderir a uma igreja especial. Ele disse que não veio para isso.

Sei que os outros também não têm todas as respostas para os problemas do mundo, embora julguem encontrar em Maomé ou em Buda as bases para suas convicções. Cabe a mim respeitar as convicções dos mulçumanos e a eles respeitar as minhas, dá-se o mesmo com os budistas e xintoístas. Cabe a católicos, evangélicos, ortodoxos, pentecostais respeitarem uns as convicções dos outros, mesmo deixando claro que discordamos do que ensinam. O fato é que nem todo mundo pensa como pensamos e nem todo mundo crê como cremos.

Possível é, mas nem todos conseguem. Discordar, dizê-lo e continuar amigo não é fácil. Há quem se ofenda porque duvidamos de suas revelações. Fazer o quê, se Jesus mandou desconfiar de gente como ele? (Mt 24,24-26)




CONFRONTO DESNECESSÁRIO


Perguntaram-me, estabelecendo confronto. A jornalista quis saber se eu era um carismático moderno ou um conservador. A outra perguntou se eu era libertador ou carismático. Tentei explicar que, na Renovação Carismática e entre os pentecostais, que possuem o que eles mesmos chamam de Cultura de Pentecostes, há os esquerdistas e direitistas, os progressistas e os conservadores.

Expliquei, também, que entre os que se proclamam da libertação e do social, também há os de proposta sociológica de esquerda retrograda e os de esquerda moderada, aberta a diálogo. Vai mais da pessoa do que da linha de espiritualidade. A linha teológica e sociológica não é definida e clara para todos. Por isso a pergunta sobre ser ou não ser conservador ou progressista não tem nada a ver com danças, balanços, palmas e festas dentro do templo. Tem a ver com a doutrina que transparece nas letras das canções e nos sermões. Ali, sim, sabe-se quem é conservador e quem pensa na transformação da sociedade. Tem a ver com a res socialis, a res publica, o conceito de ter e partilhar, a noção de pessoa, de direitos, de sistemas políticos, de mudanças, de privilégios, de castas, de solidariedade. Isto transcende a movimentos e partidos. É coisa de caridade na verdade. Pode até parecer moderno, mas não é moderno aquele que acumula bens e aposta no capital, na mais valia e nos juros. Pode parecer moderno quem se diz socialista, mas agarra-se ao poder, a privilégios e puxa tudo para o seu partido dando a entender que, sendo de esquerda, pode!

Uma das jornalistas perguntou então onde me situava se não era nem de direita, nem de centro, nem de esquerda, nem carismático, nem libertador e se não me situava numa das correntes. Perguntei-lhe se tinha que escrever sempre sobre o mesmo tema e sempre nem mais nem menos que 2.200 toques. Ela entendeu. Não é o número de toques que faz uma boa redação e sim o conteúdo.

Não sei se sou libertador, nem se sou carismático. Gostaria de ser os dois, porque tenho uma libertação a buscar e um carisma a exercitar. Sei que, em algumas situações, deverei exercitar o meu papel de libertador, em outras deverei deixar fluir alguns dos muitos carismas que Deus me deu, mas preciso aprender a disciplinar, tanto as minhas inspirações e rompantes carismáticos, como minhas inspirações e rompantes de libertação.

Eu não tenho tudo que meu povo necessita para ajudá-lo a libertar-se, portanto minha palavra não pode vir apenas de mim. Também não tenho tudo que meu povo necessita para a união mais profunda com Deus. Por isso mesmo preciso da palavra da Igreja para lhes dar mais espiritualidade. Não me adianta decorar um discurso de um movimento ou de um grupo de igreja, seja ele de ênfase espiritualista ou de ênfase política. Discursos não libertam, conteúdo, sim.

As pessoas deveriam descobrir por si mesmas, se tenho ou se não tenho uma atitude libertadora e se ela é legítima e fundamentada nos dogmas e ensinamentos da Igreja. Teriam também que descobrir se tenho unção, espiritualidade ou se é apenas discurso. Essas coisas se provam com uma vida e não com palavras.

Por isso pedirei a Deus todos os dias, a graça de ser sempre renovado, sempre carismático e sempre libertador, dentro da ordem da congregação religiosa na qual escolhi viver o meu chamado. Quando os problemas se acentuarem -e eles se acentuam-, hei de pedir misericórdia e graça de Deus para saber superá-los, sejam eles causados pela enfermidade, por erros de perspectiva ou por atitudes que não somam e não ajudam meu povo a crescer.

Não sei se sou libertador, mas para o ser, preciso estudar com afinco a doutrina social da igreja que me ordenou sacerdote. Não sei se sou carismático dentro da minha congregação e perante meus irmãos, mas sei que preciso aprofundar muito a espiritualidade católica, se pretendo levá-la ao meu povo. Serei julgado por Deus, mas também pela minha Igreja, pelo que eu disse, fiz e vivi. Farei história se tiver caminhado com toda Igreja e não apenas com um grupo de igreja.

Se tiver tido o coração aberto para todos e capacidade de falar e dialogar com todos, farei apenas um pedacinho da história. Se tiver me deixado prender apenas por um grupo, falado apenas a linguagem desse grupo e se não tiver conseguido falar a linguagem da Igreja Católica Apostólica Romana é sinal de que terei me fechado. Deus me ajude a ser diastólico. Meu coração não pode viver apenas de sístole. Não me fecharei. Um católico que se fecha perde a sua catolicidade.


CIDADÃO ESTRESSADO


Quando você fica nervoso porque o carro da frente não saiu depressa na mudança de farol; fica nervoso porque na estrada o carro da frente está indo na velocidade proposta pelas placas; fica nervoso quando alguém o ultrapassa; fica nervoso quando alguém pede para ultrapassar; fica nervoso quando o sinal demora a mudar; fica nervoso quando uma pessoa idosa demora a atravessar a pista; fica nervoso porque não encontra estacionamento; fica nervoso porque alguém buzinou atrás do seu carro; quando você fica nervoso por que a fila de espera é muito longa; fica nervoso porque choveu e todo mundo esta andando devagar, vá ver o seu médico. Você saiu do estado de normalidade!

Coisas fatos e pessoas estão tirando você do sério e você está pondo a culpa nos outros. Seu psicólogo lhe explicará aonde isso pode dar. Se tudo à sua frente o incomoda, deve ser porque alguma coisa dentro de você não está funcionando...


CARTA A QUEM ME COBRA UM TESTEMUNHO


Daqui a pouco será Natal de 2009. Mais uns meses e fará 57 anos que entrei para um seminário, desejoso de fazer parte de uma sociedade de sacerdotes que acentuavam a solidariedade, um reino de vizinhos, no qual aquilo que se quebrou e estilhaçou tem conserto. Eram os padres reparadores, consertadores, restauradores, reparadores, também chamados de Padres do Coração de Jesus, hoje conhecidos como dehonianos.

Chego aos 68 anos e acho que fiz uma boa escolha. Para quem quiser de fato ser solidário, reparador, restaurador, aproximador, desapegado de coisa materiais, capaz de ceder o que é seu, desligado de fama ou de aplausos, mas disponível para ir aonde uma comunidade precisar de liderança, as portas continuam abertas. Os excessivamente individualistas, donos de um projeto pessoal irrenunciável terão dificuldade de conviver conosco.

Naqueles dias de l953 ainda havia florestas, muito verde, poucas famílias tinham conta nos bancos, não havia televisão, nem programas de baixo calão; não havia shoppings e supermercados, nem cartão de crédito, nem micro-ondas, nem celulares, nem fornos elétricos, os muros eram baixinhos, na vila onde eu cresci dormia-se de portas cerradas apenas com tramelas, os vizinhos se davam bem, crianças podiam brincar nas ruas sem grandes perigos, poucos tinham carros, os primeiros aparelhos de rádio eram colocados na janela para que todos ouvissem o Anacleto Rosas Junior e as últimas canções do Tonico e Tinoco. Não havia tanto a se consertar. A pobreza era digna. Ladrões e ladrõezinhos poderosos e violentos como hoje, não havia. Morria-se pouco por facas, tóxicos e arma d fogo.

Anos depois, congregação dos dehonianos me aceitou como seu pregador, a Igreja me ordenou sacerdote, fui estudar, aprendi cinco línguas, corri mundo falando às famílias e aos jovens, escrevi quase uma centena de livros, editei mais de 100 Cds´s, compus milhares de canções, preguei e ainda prego em periferias, em templos, estádios, ginásios e praças, televisão e rádio e vejo que o “progresso” encheu as casas de coisas, mas vejo muito mais divórcios, separações, abandonos de lar, mais droga, mais motéis, mais filhos sem pai e mãe, mais violência, mais depressão, bandidos poderosos e comandar de dentro dos presídios, o congresso e a câmara desmoralizados, corrupção difusa por toda a sociedade. O país cresceu mais por fora do que por dentro. Faltou escola, religião e família. Naquele tempo havia mais disso. Talvez por isso não fosse preciso muros com cacos de vidro, nem cercas eletrificadas, nem alarmes em todas as portas.

Estive perto de acontecimentos mundiais marcantes. Vi o começo dos Beatles, estive perto de Berkeley, John Hopckins, e vi os movimentos estudantis dos fins dos anos 60. Estudava lá nos Estados Unidos quando mataram os Kennedy, quando mataram Luther King, vi a comoção dos italianos no período da Brigate Rosse, presenciei pela televisão os dias da morte de Aldo Moro, vi a Revolução dos Cravos em Portugal, estava na Espanha quando entronizaram Juan Carlos e quando voltou a democracia. Vi a volta da democracia no Brasil. Vi o nascer do PT e percebia o entusiasmo de seminaristas, padres, religiosas e de muitos dos meus jovens. Ai de quem não fosse petista naqueles dias. Eu não era e não sou, mas votei no PT algumas vezes. Hoje alguns daqueles jovens, hoje homens feitos, dizem que entendem porque eu sugeria que não trocassem a igreja pelo PT.

Vi a violência das esquerdas e a repressão no Brasil, vi o crescer da Teologia da Libertação e depois o crescimento da RCC, e fiz as mesmas perguntas que fazia sobre o PT e as comunidades de base. Era maravilhoso, mas teríamos que ouvir outras correntes de pensamento na igreja e na política. Não sei quantas vezes fui acusado de ficar em cima do muro.

Vi igrejas e movimentos começarem e murcharem. No curto espaço de quase 60 anos presenciei um mundo em mudanças vertiginosas e, mercê do marketing da ocasião, esperanças artificialmente transformadas em certezas. Todo mundo achava que agora, sim, seria do jeito deles. Franco, Fidel Castro, Che Guevara, Pinochet, militares no poder, esquerdas no poder, ditaduras que se sucediam, democracias fragilizadas, igrejas portadoras da última revelação e da verdade mais verdadeira. Duraram pouco.

Li os livros da época, cada qual mais urgente e mais cheio de respostas a dizer que era por ali ou por acolá. Aprendi a não me amarrar a movimentos, nem partidos, nem grupos de respostas prontas. Nunca abri nem abro a Bíblia de olhos fechados nem ponho o dedo em algum ponto a dizer que Deus me dirá o que fazer. Não acredito em partidos, ideologias e religiões imediatistas, nem em pregadores e líderes que garantem que Deus ou a História lhes deu as chaves do futuro. Não sou adepto de “abracadabra”, nem de “mamãe mandou bater nessa daqui”. Milagres: Creio neles, mas não em milagres por atacado. Creio ainda menos em milagreiros que até dão a data e o lugar dos próximos milagres.

Acho que tudo se conquista lentamente, com vitórias e revezes, dois passos à frente um passo atrás, mas logo a seguir outros dois passos à frente. Aprendi a raciocinar sobre o tempo, as pessoas, a história, a fé. Leio muito e reflito outro tanto. Não me guio só pelo sentir, nem só pela razão. Tento viver os dois no seu devido tempo. Sou um pouco pathein e mathein. Quero sentir e quero entender.

Se fiquei mais sábio? Não sei. Mas acho que fiquei menos tolo. Não corro atrás do primeiro que me diz que seu partido tem a resposta política para o nosso povo, nem do primeiro que afirma que Deus falou com ele. Trago, desde a infância, uma prancha de surf espiritual chamada pensamento que me permite surfar as ondas, equilibrando-me, sem mergulhar em todas. A prancha me ajuda a mergulhar e fugir de outras nas quais acho que não devo surfar. Nunca me imaginei na crista de onda qualquer. Escolho a onda e a crista e reservo-me o direito de não ir só porque todo mundo me grita “vai nessa, Zé”.

Se sou filósofo? Menos do que todos os que já li, mas o suficiente para não montar o primeiro cavalo xucro que me oferecem, nem que ele se chame “mídia”. É bonito, charmoso todo holofotizado e leva longe, mas também derruba. O que ensino? Que o alpinista escolha a sua trilha, o surfista escolha sua onda, o peão o seu cavalo e seu touro, o pregador escolha sua mídia aprenda a falar e a se calar na hora certa. Vi muita coisa que outros não viram e li muitos livros que os outros não leram, nem por isso prego certezas. Prego mais fé e esperança do que certeza. As Bíblia que conheço não tem todas as respostas. Deus não as dá todas. Temos que procurá-las penosamente se quisermos encontrar o Senhor. O livro Santo diz que Deus às vezes se esconde! Não é que o sol se esconde, mas as nuvens às vezes não permitem vê-lo ou receber as suas luzes.

Continuo na mesma sociedade de sacerdotes, faço o que posso para reparar os ferimentos do nosso tempo, tento não pregar ninguém na cruz e, quando vejo que crucifiquei, tento reparar; quando outros crucificaram, indico pessoas que sabem fazer mais do que eu.

Dias atrás, pediram-me um testemunho. Acho que decepcionei quem esperava uma longa fala de quem viveu 68 anos e esteve em mais de 40 paises pregando a palavra de Deus, cantou e escreveu tanto. Disse apenas:

- Nunca vi Deus, Ele nunca falou comigo, nunca vi nenhum anjo, nem santo algum me apareceu. Jesus não me fala em sonhos nem aos ouvidos. Vivo da fé que tenho. Nunca vi nem ouvi Maria. Não sou vidente, nem quero ser um vidente evidente. Mas creio que Deus me dá sinais. Alguns deles eu soube ler e outros não. A vida é um imenso hierógrifo de difícil leitura. Mas algumas passagens eu já decifrei. Outras foram decifradas para mim. Continuo aprendiz e espero morrer aprendiz. Talvez por isso tenha sido mestre para alguns que me lêem, cantam ou escutam. Falo mais para a cabeça do que para o sentimento. Proponho que a cabeça do cristão tenha o mesmo tamanho que o seu coração. Preocupam-me cérebros do tamanho de um ovo de codorna e corações do tamanho de uma melancia. A função da catequese é ajustar o tamanho do cérebro e do coração. O raciocínio é um dos maiores dons do Espírito Santo. Traz discernimento, sem o qual escolhe-se errado. Se posso ensinar alguma coisa, sugiro que pensem mais, ouçam mais, leiam mais e dialoguem mais, sem esquecer de orar mais a Deus e ajudar mais os outros.

O que Deus fez em mim e por mim, Ele sabe e eu sei. Mas prefiro falar sobre o que Ele fez por Maria, por José, por Pedro, por Paulo, Francisco, por Clara e por gente muito mais santa e com histórias de vida bem mais bonitas do que a minha. Com tantos santos, com belíssimas histórias de vida para contar ao meu povo, porque eu haveria de falar de minha experiência?

Falei um pouco, mas se perceberam, não acho que devo ser outdoorizado. Não entendi tudo o que me foi dado ver. Continuo pensando, estudando e tentando guardar no coração aqueles acontecimentos. Aprendi isso com a catequista, teóloga e discípula pensante, Maria de Nazaré, mãe daquele que anuncio!


Pe. Zezinho, scj

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