quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Artigos - 11 de Outubro

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CANÇÃO DESCOMPASSADA


Sou compositor de música religiosa há mais de 45 anos e aprendi com mais de 20 maestros que fizeram arranjos para as minhas canções. Eles me ensinaram que a musica transformada em canção é um discurso: tem começo, meio e fim; tem harmonia e tem compasso. Fizeram-me ver que a música precisa obedecer às leis da matemática. Não posso partir para um tom que fuja de forma discrepante da harmonia. Não posso encerrar uma canção com um tom que não a encerra e não posso segurar uma nota por mais tempo que o ritmo da canção exige.

É esta a linguagem de começo, meio e fim, ritmo, duração das notas, letras com rimas, poesia e conteúdo que faz uma canção bonita. Tenho percebido que falta a alguns compositores de músicas religiosas a noção básica da composição. Ou não foram à escola ou não tiveram maestros com paciência para ensinar. O fato é que tenho ouvido nas Igrejas, canções que pecam por quebra de ritmo, quebra de compasso, por notas demasiadamente prolongadas e fora de propósito e por falta de harmonia.

Muitos dos maestros que conheço se negariam a fazer os arranjos de tais canções, pela mesma razão de que alguns engenheiros se negariam a assinar a planta de algumas construções. O resultado são canções pobres, cantadas durante a liturgia na nossa Igreja, por que os compositores são amadores demais. Não estudaram, não estudam e não querem estudar, acham que já sabem.

Acrescento, para quem não sabe, que não tenho muito ritmo e que freqüentemente preciso de ajuda dos meus cantores para entrar na hora certa. Tenho o dom das letras e das melodias, mas preciso da sabedoria dos outros para não cantar errado. Por isso, aceito ajuda e jamais canto sozinho as canções sobre as quais tenho alguma dúvida. Ser autor não é o mesmo que ser cantor.

Esses dias, um maestro evangélico comentava que a musica evangélica evoluiu muito a partir do momento em que os compositores foram estudar harmonia e ritmo e à medida que também os maestros se negaram a fazer arranjos para musicas sem pé nem cabeça.

Hoje, de fato, a musica evangélica evoluiu bastante, a partir da reação dos reverendos, dos músicos e maestros daquelas Igrejas. Sugiro o mesmo para nós católicos e para as gravadoras. Já tive duas músicas minhas recusadas por um maestro italiano, quando morei na Itália, e uma recusada aqui no Brasil por dois maestros brasileiros por que achavam que elas pecavam pelo ritmo e pela harmonia.

Nem questionei. Engavetei as canções e decidi que não as gravaria jamais, pois maestro sabe mais música que eu. Acho que os maestros têm, sim, o direito de questionar os compositores, da mesma forma que estes podem questionar os maestros, mas maestro sempre sabe mais.

Faço uma sugestão aos compositores: aceitem que os maestros lhes corrijam algumas canções, da mesma forma que, se alguma professora especializada na nova ortografia quiser corrigir meus textos, eu permitirei. Continuarei permitindo a maestros que desejem interferir nas minhas composições, desde que não mudem o conceito delas. Eles sabem o que podem e o que não podem. Digo o mesmo aos cantores. Interpretem, mas não mudem nem a letra nem, a melodia, nem o ritmo. Cantores têm o dom de fazer uma canção ficar mais bonita sem ter que mudar nada nela. Deus deu a eles algo que não deu ao compositor. Sem mudar absolutamente nada, um bom intérprete dá ênfase e vida nova a qualquer canção já conhecida. Quando ele ou ela canta fica diferente. A isto se chama interpretar. Avise-ser aos cantores que interpretar não é modificar.

Sou daqueles que pensam que a música católica empobreceu a partir do momento em que os compositores e as bandas não aceitaram serem corrigidos. A música dos católicos pode e deve melhorar e precisa começar com os compositores. Algumas melodias pecam tanto pela falta de estética que é difícil acreditar que seu inspirador seja o Espírito Santo. Seria o mesmo que dizer que foi ele que inspirou a construção de uma ponte sem firmeza.


DESCONTROLE


Quando você fica nervoso porque o carro da frente não saiu depressa na mudança de farol; fica nervoso porque, na estrada, o carro da frente está em velocidade proposta pelas placas; fica nervoso quando alguém o ultrapassa; fica nervoso quando o sinal demora a mudar; fica nervoso quando uma pessoa idosa demora a atravessar a pista; fica nervoso porque não encontra estacionamento; fica nervoso porque alguém buzinou atrás do seu carro; porque a fila de espera é muito longa; porque choveu e todo mundo está devagar... Vá ver o seu médico, você está estressado!



OS PROFETAS DE ONTEM


Habitue-se a ler, na sua Bíblia, os livros dos profetas, como trechos de sermões e discursos de homens que falavam nas ruas ou em pórticos, a respeito do seu tempo e sobre coisas que aconteceriam ainda no seu tempo. Eram homens engajados na fé e na política. Seu discurso era claramente libertador. Não se limitavam apenas a orar e a curar enfermidades. Pediam mudanças políticas em Israel e enfrentavam reis e poderosos. Eram místicos, mas não fugiam dos temas sociais e políticos como tantos profetas de agora fazem. As canções de alguns deles eram de louvor e de política. Falavam da dor humana!

Veja-os como homens que previam o mundo para um pouco depois do seu tempo. Não os veja, porém, falando para a ONU, o Brasil, a China, Israel, Venezuela e Estados Unidos de agora. Não era esta a sua intenção. Podemos agora ler esses livros históricos e proféticos e aplicá-los aos nossos dias. Isto sim seria pedagógico e profético, porque eles aplicaram a fé na política do seu tempo.

Uma geração que foge da política como o diabo foge da cruz decidiu que apenas falará de conversão e salvação pessoal e que não se envolverá com discursos sociais e políticos, como se isso fosse contra a fé. São capazes esses piedosos irmãos que oram três a quatro horas num estádio, sem uma canção sequer sobre a dor humana, sobre a cruz dos pais, e a angustias do nosso tempo. Não se ouve nem sequer um trecho de alguma encíclica social, ou do mais recente Documento Aparecida. Não tem jeito. Esses novos profetas não falam de política. Alguém lhes ensinou errado. Se ontem havia os que esqueciam a fé e a oração e só falavam de políticas revolucionárias de esquerda, agora há uma geração que não falam nem de centro, nem de democracia, nem de direita, nem e esquerda. Simplesmente ora e musica a parte dos salmos que fala de louvor e ignoram as outras que falam de mudar um povo e exigir mais justiça do rei e dos seus governadores. O Papa acabou de lançar um encíclica que estabelece uma doutrina: Caritas in Veritate: que poderia muito bem ser traduzida como caridade com verdade, ou caridade sem faz de conta.

Deveríamos todos aprender como os profetas de ontem anunciavam para seu povo a palavra de Deus. Poderíamos até aplicar muita coisa do que eles disseram para os nossos dias, mas esta interpretação ousada de dizer que “carruagens de fogo” eram os tanques de hoje ou que “grandes labaredas” equivaleriam às bombas atômicas de hoje é ir muito longe. Uma leitura atenta dos profetas mostra que eles certamente não queriam profetizar para o ano 2000. A maioria deles profetizou para o povo do seu tempo. Nós, do ano 2000, podemos tirar proveito das suas profecias, porque muito pode ser aplicado a nós, mas levar ao pé da letra ou forçar o texto para poder explicar alguma catástrofe atual, ou armas atômicas, ou ainda a queda de Sadam Hussein ou garantir que Jeremias falava do advento da era Bush- Bin Laden é muita ousadia. A Bíblia não nos autoriza a ir por esse caminho e não convém ir por este caminho. Daí ao fanatismo ou à instrumentalização da Bíblia é apenas um passo. É tão instumentalizador aquele que leva tudo para a política, como aquele que leva tudo para o louvor e para a conversão pessoal. Os profetas falavam ao indivíduo e à comunidade nacional.

Leiamos os profetas como devem ser lidos homens que traduziram a palavra de Deus para seu tempo e aproveitemos um pouco do que eles disseram, porque certamente muitas coisas podem ser vividas e aprendidas hoje, mas todo cuidado é pouco. O vinho velho deve ser sorvido com moderação e a Bíblia também. Tomados de qualquer jeito e em excesso, ambos embriagam. O pregador que disse que estava embriagado de Jesus arrancou aplausos. Mas a Igreja prefere os pregadores lúcidos. Entre Oséias que se casou com uma prostituta para chocar o seu povo, que procurou uma mulher adúltera e a comprou, às vezes parecia louco e Jeremias, sempre lúcido e franco, o fiel faça a sua escolha. Temos hoje todos os tipos de profeta. Se um deles orar para que o demônio da diarréia desapareça e que o demônio da dengue leve seus mosquitos para fora do Brasil, abra sua Bíblia e procure um profeta mais sério! Aconselho Isaias!


Pe. Zezinho, scj


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