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INTERPRETAR NÃO É ADAPTAR
Chega a ser preocupante o modo como alguns pregadores forçam determinadas passagens bíblicas para aplicá-las ao dia de hoje. Sem dúvida alguma todas as igrejas cristãs devem se basear nos ensinamentos bíblicos para o seu cotidiano. Podemos tirar inúmeras lições do passado e dos acontecimentos que marcaram a vida daqueles povos, mas não é certo, não é justo e não é honesto pegar passagens bíblicas e aplicar, sem mais nem menos, aos personagens de hoje.
Por isso foi longe demais aquele pregador entusiasmado que garantiu que Sadam Hussein era o Nabucodosor moderno e que aquele buraco onde ele estava escondido correspondia a determinada passagem bíblica, que a loucura de Nabucodonosor, que pastava e comia grama, equivalia a loucura de Sadam Hussein quando foi encontrado. A pregação era nitidamente pró-americana. Deveria ter dado um predecessor a George Bush.
Para quem quer adaptar a Bíblia ao seu pensamento qualquer passagem pode ser útil e qualquer fato de hoje pode ser ajustado ao fato da Bíblia. A imaginação humana não tem limites, mas daí a dizer que o profeta Isaías queria se referir a tanques, bombas atômicas, ao computador, aos moderníssimos aviões e aos raio lazer é muita ousadia. (Is 66,15) Muito provavelmente o profeta Isaías jamais pensou nessas coisas. Estava falando em linguagem figurada para os povos do seu tempo. Procuremos entender isso e compreenderemos melhor porque se deve ler a Bíblia. Ela é o passado que nos inspira, mas do presente precisamos cuidar com outros conhecimentos mais atualizados, porque as dores do nosso tempo certamente trarão outras profecias. Sem jamais esquecer a Bíblia, saibamos falar de coisas reais, mesmo que não haja passagens bíblicas para fundamentá-las. A Bíblia não disse e não diz tudo.
A maioria dos exegetas sérios de todas as igrejas desaconselha esse tipo de adaptação dos textos bíblicos. Com um pouquinho de esforço alguém poderia dizer que aqueles israelitas que comeram carne de codornizes, pássaros que, aos milhares vieram morrer no acampamento dos israelitas, por terem pedido carne a Moises, foram castigados com a gripe aviária. Já que muitos morreram da ingestão daquela carne.
Naquele tempo, dadas as precárias condições de higiene, é fácil imaginar que muitos apanharam doença por falta de cuidados e de limpeza. No deserto não havia geladeira. Quem quiser ficar com a versão da gripe aviária, provavelmente ficará. Vai parecer mais atual, mais moderno e mais sensacional, mas dificilmente bate com os fatos. Pregadores que acham para tudo uma passagem e uma frase da Bíblia lembram o radialista fanático por Shakespeare que, sempre que desejava mostrar alguma erudição citava uma frase e a atribuía a uma das peças de Shakespeare. Um dia alguém lhe pediu que indicasse o livro e a peça. O radialista saiu-se com essa: -Se não foi ele quem disse, é bem do estilo dele! Consertou, mas não resolveu.
QUANDO LHE TELEFONAREM
Habitue-se a não atender a telefones, ou telefonemas com identificação bloqueada. Se eles não querem se identificar e é um direito deles. Você também não quer falar com alguém que não se identifica e esse é um direito seu. Se eles querem ficar no anonimato, você também quer. Por isso reflita da seguinte forma:
-Se é alguém que precisa falar comigo vai dar outro telefonema. Se não está precisando ou se pode adiar, eu também espero. Mas telefone com identificação bloqueada não se atende. Vai contra os direitos humanos. Por que pode o outro esconder-se no anonimato e você tem que se expor? Não é por ai!
SOU, PORQUE ACONTEÇO
Há um tipo de mentalidade religiosa e secular que afirma “sou porque aconteço” , “ sou porque repercuto” e a outro que afirma “sou porque compreendo”. Acontece no mundo dos negócios, no mundo dos esportes e principalmente no mundo da religião. É a luta entre os “experimentei” e o “estudei”, entre o sentir e o perceber, mesmos em sentir. Os fiéis que buscam explicações procuram um tipo de sacerdotes e pregadores que lhes deem doutrina e ensinem o modo de entender, encarar as coisas e viver. Apostam fortemente na doutrina. Os que buscam sensação e querem experimentar, procuram os que pregam sobre o que acontece naquele que crê. Apostam fortemente nos sinais. Deus está operando maravilhas naquela igreja ou naquele grupo. E, se tudo aquilo está acontecendo então é sinal de eleição.
A um deles que, falando dos milagres quase diários nos seus templos, me perguntava a queima roupa onde estavam os sinais na Igreja Católica, falei de Lurdes, Fátima, e de inúmeros santuários cheios de lembranças e sinais de curas, falei dos nossos templos dos confessionários onde há curas silenciosas não publicadas na mídia, e dei o nome de dezenas de mártires católico atuais que derma a vida pelos outros. Se a vida de um mártir não vale como sinal de Deus para o povo, então a cura de um caroço vale menos!...
O convite para vir, experimentar e ver milagres e buscar a cura, porque naquele templo as coisas acontecem, é a religião do tocar. Tem o seu valor. Jesus não rejeitou Tomé porque exigiu provas. Apenas disse a ele que havia um jeito mais profundo de buscá-lo. O de crer mesmo sem ver. (Jô 20,29 )
Por mais que um pregador explique e seja culto, preparado e profundo, esse tipo de fiel que insiste em tocar e ver não vai ouvi-lo. Irá ao outro que, mesmo não tendo cultura e escolaridade e com pouca filosofia oferece o Deus que acontece. Entre acontecer e compreender há um espaço enorme que poucos conseguem transpor. A turma do pathein: tocar sentir e acontecer jamais vai se dar bem com a turma do mathein: compreender. E a turma do compreender vai estranhar a turma do acontecer. Mais felizes são os que conseguem viver as duas experiências. Compreender muito e, por menos que aconteça, entender o acontecido.
Sim, Deus opera milagres, mas nossa primeira obrigação não é buscar os atos de Deus e sim o ser de Deus. Tocar pode ser profundo, como fez aquela mulher enferma com doze anos de sofrimento. (Mt 9,20) Pensar pode ser até mais ousado, como fez Pedro ao responder sobre quem ele pensava ser o Cristo.(Mt 16,17) Ao aluno que me perguntou se não era uma santa ousadia anunciar um milagre respondi que sim. E acrescentei: há uma ousadia em querer sentir e tocar, há uma outra em anunciar ali mesmo, na hora, o milagre e outra ainda mais avançada em querer entender. Alguma ousadia pode até ser santa, mas outras são pura e simplesmente ousadias imaturas. O pregador ou o fiel não esperou amadurecer a obra de Deus. Não deu à semente o tempo de germinar. Deve ser por isso que Jesus muitas vezes pediu segredo sobre suas curas. A ninguém o digais. ( Mt 17,9; 5,43, Mc 9,9) Deve ser também por isso que, na visão de Pedro, ele foi convidado a matar e comer o conteúdo da visão; deveria tocá-la e assimilá-la a ponto de que ela fizesse parte do seu pensamento e do seu modo de ser.( At 11,5-13)
“Sou mais porque aconteço” não é atitude cristã. Nem o é também o “sou mais porque penso”. O correto é querer ser melhor por pensar no que acontece e naquilo que não aconteceu! É mais santo aquele que enganou-se ao proclamar um milagre e ao ver seu engano voltou atrás e pediu desculpas. Quantos pregadores fazem isso?
Pe Zezinho, scj
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