O sentimento religioso fazia parte do cotidiano da família Oliveira. Aos sete anos, Zezinho era coroinha: aos nove, um de seus irmãos entrou para o seminário da Congregação do Sagrado Coração de Jesus em Taubaté , SP. Com isso, acendeu-lhe mais ainda o desejo de ser sacerdote – desejo reforçado pelo exemplo diário dos padres que devotavam a vida aos outros.O irmão, alguns anos depois, voltou para casa, mas Zezinho aconselhado pelo irmão que voltava, permaneceu lá, tranqüilo e firme em sua decisão. Essa era sua vocação, aquela seria sua vida.
"Tenho enorme amor pelos padres Dehorianos, sacerdotes que me acolheram."
A partir daí, foram anos de rígida formação intelectual, primeiro no seminário de Lavras em Minas Gerais, e depois no de Corupá em Santa Catarina. Para qualquer garoto mal-entrado na adolescência, seria sofrido separar-se da família e lançar-se a aventura de seguir uma vida de estudos em lugares distantes. Mas Zezinho estava animado pelo vento da fé, pela certeza de estar trilhando um caminho escolhido por Deus. Sabia enturmar-se com facilidade. Era líder, sempre foi.
"Eu queria ser padre, e nada mais que isso. Mas ser padre, no meu caso, significou fazer não o que eu queria, mas o que a Igreja me pediu."
Aos poucos, uma faceta do seminarista foi se delineando, inconfundível: a grande facilidade para comunicar-se com os jovens. Atentos, seus superiores decidiram enviá-lo aos Estados Unidos, onde havia cursos avançados de sociologia da juventude e psicopedagogia, lá ele cursou teologia e psicologia durante quatro anos, ordenando-se padre aos 25 anos. Era hora de voltar.
No Brasil, o já padre Zezinho, scj, começou suas atividades pastorais na paróquia são Judas Tadeu, no bairro paulistano do Jabaquara. Ficaram aos seus cuidados cerca de 14 mil jovens, com quem ele passou a trabalhar de forma revolucionária: por meio de teatro, música, grupos de reflexão e jornadas. Foi criada também a missa dos jovens, às onze horas, que em pouco tempo atraía pessoas de todos os bairros e de todas as idades. Chegavam o sucesso e sua contrapartida: a incompreensão.
Tempos sombrios
Vivia-se o começo da década de 70, quando padre Zezinho começou a fazer uso da musica popular e de dança em suas missas. Seu objetivo era um só: aproximar a juventude da igreja por meio de uma linguagem acessível, atual, direta, e sobretudo, por meio da alegria. Era o suficiente para causar espanto e muitas vezes indignação nos setores mais conservadores da igreja.
Mas não era apenas dentro da igreja que padre Zezinho incomodava. . O país passava então pela fase mais violenta da ditadura militar, e aquele padre jovem e desafiador atraía sobre si a desconfiança do regime. Embora livre de qualquer vínculo ideológico - limitações dessa ordem sempre lhe foram estranhas – padre Zezinho defendia claramente a liberdade de expressão, indignava-se com a violência e tortura, batia-se pela igualdade. Parecia ser, portanto, perigoso.
Ao mesmo tempo, porem, tinha sobre si o manto protetor dos setores aprogressistas da Igreja Católica e do carinho do contingente cada vez maior de pessoas que acompanhavam seu trabalho – nesse momento, ele já havia lançado discos de sucesso nacional. A ira da repressão começou a recair, então sobre sua música, sistematicamente censurada (mas as canções continuavam a ser cantadas nas missas). Depois, a violência encontrou outro alvo: alguns jovens da paróquia. Esse era o limite. Padre Zezinho só viu uma forma de protegê-los: exilou-se por seis meses na Espanha e na Itália.
Na volta já começaram os ventos da abertura. O trabalho foi retomado, padre Zezinho não cedeu um milímetro em suas convicções nem em sua forma de agir. É preciso que se diga, aliás, que se trata de um homem teimoso e pouco afeito as classificações: se os conservadores não o aceitavam, também a esquerda não admitia sua independência, classificando-o de “modernizante, mas não revolucionário”, acusando-o de estar “em cima do muro”. Padre Zezinho não se incomodou com as patrulhas. “É preciso ter muito equilíbrio para ficar em cima do muro”, respondia sereno. “também é de lá que se enxerga mais longe.
"A Igreja é a favor da política desde que vivida em favor dos irmãos."
"Tornei-me um padre para as multidões e isto pode ser alienante, transformador ou até revolucionário."
Padres Consertadores
"Ainda menino, mergulhei na idéia de ser sacerdote e ajudar pessoas. Por isso, optei por uma congregação de padres consertadores. Para mim, os dehonianos, naquele tempo, chamados de “padres reparadores”, tinham a missão de consertar e ensinar a consertar comunidades. Eram os padres do Sagrado Coração de Jesus. Eram meio teólogos e meio sociólogos. Editavam uma revista chamada “ Reparação”
Eu entendia o Coração de Jesus como aquele que tinha dó dos sofredores e que ajudava as pessoas com dificuldade. Jesus consertava os estragos que os sujeitos maus faziam. Os padres tinham esta missão de convocar os bons para ajudarem quem sofria e combater os maus e os desorientados.
Tendo pai paralítico e mãe com saúde precária, que depois evoluiu em diabetes e amputação das pernas, chegávamos ao fim do mês com enorme dificuldade. Mas era uma pobreza repartida. Ninguém ficava sem a sua porção. O dinheiro era colocado em comum e primeiro se cuidava do pai paralítico, depois de quem mais precisasse naquele mês. Comida especial, só se sobrasse alguma coisa.
Aí entravam os padres consertadores. As pessoas da comunidade eram motivadas a nos ajudar e o faziam de maneira muito fraterna. Foram eles que me possibilitaram, a mim e vários meninos, a chance de estudar. Acharam quem nos ajudasse.
Mais tarde, já no seminário aprendi que o verbo consertar é um tanto quanto atrevido. Quem somos nós para consertar o mundo? Entendi, enfim, a idéia de reparação. Se quem deveria fazer não faz, nós fazemos. Se alguém vai embora, nós ficamos, assumindo o que ele abandonou. Se faltam voluntários, nós nos apresentamos. Se quebrou, a gente ajuda a consertar. O Deus que fez também refaz. O Deus que criou, se preciso, recria. Quem fez o vaso, se este se quebrar, junta os cacos e o torna outra vez o vaso que era.
Reparar foi ficando um verbo associado aos verbos libertar, promover, elevar, consertar, devolver ao primeiro fim, redirecionar, corrigir a rota de uma vida. Para isso era preciso estudar psicologia, filosofia, história, sociologia, direito, teologia e matérias que nos preparassem para entender melhor o nosso tempo, nossa gente, as políticas, as outras igrejas, a cruz, as dores e os sonhos de cada pessoa que viesse a nos procurar. Tínhamos que ter uma visão sociológica do país. Não deveríamos apenas ensinar o povo a rezar. Ele queria que aprender a pensar, a agir e a reagir diante das injustiças.
O fundador de nossa congregação de sacerdotes e irmãos dedicou-a ao Coração de Jesus, acentuando a misericórdia do céu e as necessidades urgentes do povo. Sendo, ele mesmo, sacerdote, advogado, sociólogo, estudioso de teologia e de ascese cristã pediu dos seus padres que fossem homens estudiosos e ligados ao povo. Só se conserta e repara um país a partir do povo. As elites podem ajudar e ajudam, mas é a formação da consciência da maioria, no caso os pobres, que muda uma nação. Todos precisam conhecer seus deveres para com Deus e para com o seu país, e todos precisam conhecer os seus direitos.
Faz 50 anos que emiti os primeiros votos nesta congregação e nela permaneço acreditando na sua proposta. Sou um reparador, não porque reparo no país ou nos outros, para porque imagino a Igreja e a política uma oficina onde se forma gente capaz de reparar o que se quebrou. Errar todo mundo erra, mas um país que teima em não consertar suas leis mal feitas e se nega a redirecionar-se a partir das igrejas, do governo, do congresso e do judiciário, acaba um país sem conserto!
O Brasil está nesta situação: precisa urgentemente de conserto e de consertadores. Não existem oficinas de reparos de máquinas? Que se montem por toda a parte oficinas de reparo da máquina Brasil. Melhorou, mas está longe de ser um país que deu certo. Talvez um dia dê, mas vai ter que passar pela oficina! Apertou demais onde não devia e afrouxou onde teria que apertar."
Padre Zezinho, scj
Meio século a falar do céu
"Sou um pregador da fé. Por profissão e por vocação. É meu trabalho e é o meu chamado. Vivo a propor um novo céu e uma nova terra. (2 Pd 3,13) Houve um dia na minha vida de jovem de pouco mais de 20 anos que achei que poderia passar resto dos meus dias como aproximador: aproximaria as pessoas de Deus, ligaria umas às outras, ajudaria meu povo a pensar o antes, o durante e o depois de cada vida.
Em dois cursos, um de Filosofia e outro de Teologia estudei 35 matérias, mais 15 ou 20 cursos sem os quais seria difícil exercer minha missão. Desde então, creio ter folheado e lido mais de 3 mil livros que me ajudaram a entender um pouco melhor o mundo e, nele, o ser humano. Li autores católicos, evangélicos, judeu, muçulmanos, ateus e agnósticos. Quando o bispo impôs as mãos sobre mim, dizendo que eu estava apto para anunciar Jesus, orientar os católicos e dialogar com outras religiões e igrejas eu tinha uma razoável idéia do que disseram os filósofos, os teólogos, os pensadores, os historiadores, os sociólogos, os psicólogos, os pedagogos, os cientistas, os antropólogos e os místicos sobre o universo, o planeta, os povos, a felicidade, as pessoas, as religiões, os acertos e os desvios dos pensadores e religiosos que me precederam.
Sou sacerdote. Cuido do sagrado. Num mundo que dessacraliza, tomo cuidado para não sacralizar demais, mas luto para que não se perca a noção do sagrado. Defendo a sacralidade do óvulo, do espermatozóide, do sexo, do homem, da mulher, do feto, da criança, do ancião, do matrimônio, da família, da fé, da política, da pessoa humana, da vida!
Outros também fazem isso, mas o fazem dentro da sua profissão e vocação que às vezes não inclui um criador de quem viemos e para quem iremos. Eu o incluo. Falo com um dedo da mão direita apontando, enquanto os outros se curvam reverentes para o céu e todos os outros dedos da mão esquerda em gesto de quem perpassa todas as coisas. Eu anuncio que Deus se importa com tudo e com todos.
Se me acho relevante? Acho! Não fabrico carros, nem casas, não lido com dinheiro, não produzo nem mesmo um alfinete, não crio bens materiais. Não sou psicólogo, nem psiquiatra, nem médico, nem sociólogo, nem político, nem assistente social. Numa reunião onde todos se apresentassem dizendo o que fazem eu teria que simplesmente dizer que sou sacerdote e aproximo, motivo, esclareço e serenizo pessoas! Se isso não for trabalho relevante então as outras profissões também não são.
Se todos na mesma reunião tivéssemos cinco minutos para dizer do que falamos quando estamos com uma pessoa, eu dispensaria os meus cinco minutos. Diria apenas que falo da busca de si mesmo, da busca do outro e da busca de Deus. Falo do grande antes e do grande depois da cada vida. Crio laços e ajudo ao máximo a desfazer nós. Tento descrucificar os crucificados, reparo pessoas estilhaçadas com oferecendo-lhes os ligamentos da esperança da fé e da caridade. Tento firmar os que perderam a firmeza. Ensino partilha solidariedade. E se isso não é algo relevante, então o que faço não é relevante!
Esses dias, completei 50 anos de vida religiosa. Eu e meus colegas não fizemos festa. Reunimo-nos e falamos sobre nossa opção. Ninguém contou vantagem. Mas todos achamos que valeu a pena gastar 50 anos falando de um Novo Céu e uma Nova Terra. Na maioria dos casos, alguém cresceu com nossa presença, nossa fala, nossa bênção e nossa prece! Pelos erros, perdão! Pelos acertos, gratidão!"
sou um grande adimirador do trabalho do padre zezinho,para mim ele e o maior cantor catolico do brasil! suas cançoes sao poemas!ele sim e um padre que merece toda nossa admiraçao.
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